O primeiro contato que tive com
os livros de pano se deu no arraial de Acuriú, distrito de Itabirito, Minas Gerais,
zona rural. A Preta, senhora que me apresentou o livro de pano, havia feito o
livro para a neta, Luísa. Ela me disse que escolheu os elementos do cotidiano
da neta e os colocou no livro, utilizando a técnica de aplicação e bordado.
Achei tudo muito interessante, pois a Preta frequentou apenas as séries
iniciais (antigo primário). Ela é parteira e trouxe várias crianças do arraial
ao mundo. Depois de ter contato com o livro feito pela Preta, fiquei em êxtase
e fui pesquisar para ver se encontrava outras referências. Acabei por encontrar
o trabalho de uma pedagoga chamada Clotilde Hammam. Ela, buscando uma forma de
contar histórias para o neto, acabou confeccionando um tapete de tecido cujo
cenário ilustrava um livro infantil. O filho da Clotilde Hammam, o tarok
Hamman, transformou a experiência da mãe numa pedagogia de contação de
história. Começou a confeccionar tapetes de tecido e utilizá-los para contar
histórias. A experiência se expandiu pela França e hoje é comum encontrar nas
escolas professores e professoras que utilizam essa técnica. O Tarak Hamman
veio ao Brasil ministrar oficinas para o curso de Artes Cênicas da UFRJ. Alguns
alunos dele que participaram da oficina resolveram montar um grupo de contação
de histórias, os "Tapetes Contadores de Histórias". No início eles compravam os
tapetes do Tarok Hamman, depois começaram a confeccionar os próprios tapetes.
Hoje o grupo se apresenta por todo o Brasil e também pelo exterior. Uma das
integrantes, a Rosana Reategue, nascida no Peru, reuniu a técnica da arpilleria
(muito comum na região andina que consiste em fazer painéis de juta e aplicar
também com tecido as cenas) coma técnica ensinada pelo Torak Hamman. Essa
experiência resultou na confecção de livros de pano, que servem, também, como
suporte para contação de história. A Rosana Reategue mora no Rio de Janeiro,
onde atua no grupo tapetes Contadores de Histórias, e coordena um projeto no
Peru, o Manos que Cuentam (mãos que contam). Os livros são confeccionados por
mulheres muito empobrecidas, que vivem na periferia de Lima.
O universo infantil e as artes
são as minhas maiores fontes de inspiração. As crianças são abertas às
experiências, elas entram no universo que é proposto a elas. O caráter
plurissignificativo das artes, essa abertura que ela oferece para o leitor
trafegar á algo que me fascina muito.
Os livros de pano me parecem
suportes muito bons para a leitura. Em relação ao toque por exemplo, que é
também um sentido muito importante para leitura. As texturas, as cores, os
aspectos visuais do livro despertam muito as crianças e adultos. É interessante
que o livro de pano surpreende muito os adultos. Muitas pessoas, ao verem,
costumam exclamar: “Oh! Um livro de pano, nunca vi”!
Acho que a maneira mais fácil de
atingir a criança com o livro é permitir que ela toque o objeto, participe da
leitura com todo o corpo, não somente com os olhos. A leitura é algo que exige
a presença dos sentidos. A preocupação que temos com os livros de papel, se vão
rasgar, por exemplo, inibe a relação da criança com o objeto. O livro de pano
permite que a criança o carregue para onde for, pode, por exemplo, leva-lo para
a cama.
Os livros de pano que trazem
imagens, com é o caso do “Escre(ver)” podem ser utilizados de várias formas. Quando confeccionei o livro, pensei nas crianças que não têm contato nenhum com a escrita, que têm pais e mães analfabetos, não têm cadernos nem lápis em casa. Uma criança que vive com uma família que tem uma vivência com a leitura, com a escrita, sabe desde muito cedo para que serve um lápis, porque as pessoas escrevem, ao passo que uma criança oriunda de uma família que não é leitora, nem escritora, precisa ser introduzida nesse universo. Algumas perguntas podem ser feitas às crianças como: O que é esse objeto? Livros são feitos somente com papel? Quais outros materiais podem ser usados para fazer um livro? Para que servem os livros? O que esse menino está fazendo? O que ele está segurando? Há alguém do lado dele? Quem pode ser? A tia, a mãe, a professora?
Rosane Moreira - Contatos: Celular: (31) 9882-3888/ E-mail: poesilhas@gmail.com
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