segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A formação do leitor literário e a mediação do professor – Considerações a partir do livro “O professor e a literatura: para pequenos, médios e grandes”, de Lígia Cademartori, e da pesquisa “Retratos da leitura no brasil 3”*

A pesquisa Retratos da leitura no Brasil traz dados pouco satisfatórios para os estudiosos da formação do leitor literário. A última pesquisa publicada, em 2011, mostra que apesar das inúmeras políticas públicas, como a distribuição gratuita de livros a escolas e o abastecimento de bibliotecas, há insuficiência nas estatísticas relativas aos leitores no Brasil.
Atrelados a essas estatísticas, os resultados de avaliações nacionais e internacionais, a que são submetidos os alunos e os professores, não apresentam resultados positivos em relação ao domínio da leitura e da escrita, sendo incompatíveis com os investimentos governamentais feitos em materiais de leitura (LÁZARO, 2009, p. 10).
Assim, torna-se necessário o investimento na formação de mediadores de leitores, pressupondo a formação de todos os sujeitos que podem estar envolvidos, principalmente os professores, bem como atrelar essa formação aos mais variados espaços e públicos. Este sujeito deve ser focalizado pois segundo a pesquisa feita pelo Intituto Pró-livro, Retratos da leitura no Brasil, de 2011, o professor possui a melhor atuação como mediador de leitura, atingindo 45% das respostas à questão pesquisada: “quem mais influenciou os leitores a ler”. Os professores são, nesta questão, seguidos pela mãe (ou responsável do sexo feminino), com 43% das respostas obtidas. Em uma comparação entre 2011 e 2007, a resposta “Professor ou professora” para esta pergunta, cresceu 12%. Na última edição havia chegado a 33% das respostas e a mãe (ou responsável do sexo feminino) era quem mais influenciava os leitores.
Outro ponto importante que a pesquisa aponta é que os professores são a figura que mais têm feito a atividade de ler com as crianças entre 5 e 12 anos (16,8% da amostra) que costumam ler acompanhadas seguidos novamente pela mãe  (o adulto lê para a criança). O Instituto Pró-livro avalia como positivo esse resultado defendendo que eles dão pistas de que, apesar de não haverem números milagrosos com relação à leitura no Brasil, os programas voltados ao incentivo desta, melhoria das bibliotecas, formação de professores mediadores, devem ser incrementados. Esses investimentos devem continuar fazendo parte da pauta das agendas e políticas públicas.
Nesse sentido, Lígia Cademartori, em seu livro “O professor e a literatura: para pequenos, médios e grandes” discute exatamente esta relação que o professor deve manter com a literatura. São apresentados e discutidos aspectos e elementos próprios da literatura infantil, seja clássica ou contemporânea; da literatura juvenil e reflexões acerca da sua definição; da formação de leitores no espaço escolar; das diferentes modalidades de poesia endereçadas aos estudantes, e da influência das relações de consumo na literatura e na formação dos leitores, hoje, bombardeados pelos best-sellers.
Ao olhar o livro “O Professor e a Literatura: para pequenos, médios e grandes” de Lígia Cademartori chamou-nos a atenção a fala da professora Magda Soares na contracapa “Felizmente, este livro é a obra sobre literatura na escola, sobre as relações do professor com a literatura, sobre as relações entre professor e alunos com a mediação da literatura”. Essa fala nos fez questionar: como alunos e professores veem a literatura? Quais relações o professor estabelece com a literatura? E os alunos? De que forma alunos e professores podem ser mediadores da literatura?
Sem a figura do mediador, os livros constituem patrimônio cultural morto e não apropriado. Dessa forma faz-se necessária a atuação de um leitor mais experiente que possa mediar a relação entre o possível leitor e o objeto cultural - livro. É preciso que se construa sobre o livro um valor de uso, um valor social, para além do uso meramente escolar, e que haja uma relação de necessidade de leitura.
            A mediação nas práticas de incentivo à leitura deve ser entendida não como método assistencial e pedagógico de ação, mas como um processo de produção de leitores, de transformação de cidadãos em cidadãos leitores. Desse ponto de vista, em vez de o mediador operar como um intermediário ou como um “tradutor” junto a pessoas que têm dificuldades de leitura, ele atua como um formador de leitores. A mediação de leitura, tal qual a entendemos, é um processo no qual a relação entre dois ou mais sujeitos – agentes de leitura e leitores – é mediada por um livro ou por um conteúdo escrito determinado que os faz dialogar entre si.
            De maneira didática, a autora nos apresenta essas ideias por meio da obra Sr. Pip, de 2006, do escritor Lloyd Jones, que promove “uma reflexão sobre a relação do leitor, em sentido amplo, e do professor (não institucionalizado), em sentido restrito, com a literatura. A história ilustra bem certa natureza pertubadora da literatura que, mesmo em uma ilha sitiada, precisa encontrar condições para existir. Uma delas, o escapismo, pode ser uma primeira etapa na experiência de leitura, apesar do sentido pejorativo atribuído ao termo. Ele pode estar na base da formação dos mais requintados leitores, assim como de escritores de grande talento. Uma outra etapa da relação com a literatura é descobrir a própria voz, a subjetividade  que preenche os vazios da obra. Entretanto, uma outra constatação a que a obra nos leva, segundo Cademartori é que nem todo mundo pode ser leitor. Para aqueles que são, segundo Piglia (citado por Cademartori, p. 24) “a leitura constrói um espaço entre o imaginário e o real.(...) Não existe nada simultaneamente mais real e mais ilusório do que o ato de ler”.
A mediação é, pois, uma relação de troca, de aprendizado recíproco, e de ampliação de uma percepção individual a partir de sua composição com outras formas de percepções em relação ao mesmo objeto, uma ampliação que permite que a apropriação individual desse objeto – um objeto de conhecimento – só possa dar-se coletivamente. Isto significa que apropriar-se de um conhecimento é o mesmo que se tornar capaz de compartilhá-lo.
            O professor enquanto mediador “ensina cada um a perceber que tem uma voz própria, uma singularidade, e que esse é um dom especial,           que ninguém poderá jamais tirar” (CADEMARTORI, 2012, P. 22). A experiência que cada ser humano vivencia com o livro é única, mesmo contando com a colaboração de um mediador, pois, segundo a autora, as vivências do sujeito interferem no texto ou na história de tal modo que podem modificar a experiência, o fato de ter gostado ou não do livro. Assim são nossos alunos que ficam extasiados, atentos e com olhares diversos (de espanto, alegria, tristeza) quando contamos uma história. Dizem: “nossa, que legal!”, “conta de novo professora!”. Chega o final da aula ou passam-se alguns dias e eles falam “lê aquela história novamente professora.” Entretanto, após a leitura de um livro para os alunos sempre resta uma pergunta: Será que existe uma forma mais encantadora de se ler um livro? Como seria?
Quando se trata de leitura, de promovê-la na escola ou em outro lugar, ou quando se discute a experiência do professor como leitor, é importante ter presentes os diversos estágios por que passa um leitor, porque a formação não se dá uma só vez, nem de modo único ou mecânico. Tornar-se leitor é processo que ocorre ao longo do tempo e de distintas maneiras para diferentes pessoas. É preciso saber que não necessariamente um estágio leva a outro. (CADEMARTORI, 2012, P. 23 E 24)
A autora menciona diversos estágios por quais passa um leitor. Que estágios seriam esses?  Será que o professor passou por esses estágios? Até por que segundo Cademartori (2012), o Brasil ainda não é um país leitor, por questões social, econômica, política, histórica e cultural e muitos professores não tiveram as condições necessárias para se desenvolverem devidamente como leitores.
            A autora afirma que o espaço da leitura é aquele da cultura formada pelo conjunto de textos de diversa natureza que atuam como mediação na nossa interação com o real. Cademartori (2012, p. 90 e 91) esclarece que
a capacitação dos alunos à leitura é um dos objetivos do ensino fundamental, habilidade que deve ser aprimorada no ensino médio. Iniciativas, incentivos e programas de leitura que propiciam tal capacitação são de importância vital na educação. Esforços nesse sentido são crescentes no país, impulsionados por razões culturais, sociais e políticas. Mas a formação de leitores literários extravasa o âmbito do trabalho de massa. Envolve particularidades de uma sintonia mais fina, além da disposição para aventuras subjetivas, que não existe em qualquer professor nem em qualquer aluno.
Vale questionar: como a escola do ensino fundamental e médio está capacitando os alunos para a leitura? Quais estratégias ela está utilizando para formar leitores literários?
Escola, pais, políticas públicas, todos os envolvidos nesse processo de formação de leitores não podem deixar de lado uma questão que tem permeado as relações às quais nossos mais novos leitores estão submetidos e para a qual Cademartori nos chama a atenção: a do consumo. A literatura também é hoje marcada pelas relações capitalistas e os exemplos mais claros são os best-sellers e as obras que se espelham neles buscando o mesmo mercado (mas que nem sempre o alcançam). Todos esses ocupam as prateleiras centrais das principais livrarias dos shoppings centers e impõem, muitas vezes, uma lógica consumista dentro das relações interpessoais em que há de se reproduzir o que é aceito pela sociedade, inclusive o que se lê. Se todos estão lendo “A culpa é das estrelas” e conversam sobre ele na hora do recreio, no whatsApp, etc. é necessário, como sobrevivência social, que eu também o leia, mesmo que para isso sacrifique o tempo que iria destinar a alguma outra leitura.
Para concluir Cademartori (2012, p.125) esclarece, “talvez a tarefa fundamental do professor, hoje, seja ensinar a seus alunos como distinguir, entre as múltiplas vozes das mensagens impressas e eletrônicas de todo tipo que o cercam, quais de fato merecem atenção deles, por serem capazes de atender, de algum modo, suas necessidades de ser”.

CADEMARTORI, Ligia. O Professor e a Literatura: para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte, Editora PUC Minas, 2ª edição, 2012.


LÁZARO, André. Mediação de Leitura: Discussões e alternatvas para a formaçãode leitores (Prefácio). SANTOS, F.; NETO, J. C. M.; RÖSING, T. M. (Org.). 1ª ed. São Pualo: Global, 2009.

*Regilane e Luciana 

Nenhum comentário:

Postar um comentário