A
formação do leitor literário e a mediação do professor – Considerações a partir
do livro “O professor e a literatura: para pequenos, médios e grandes”, de
Lígia Cademartori, e da pesquisa “Retratos da leitura no brasil 3”*
A pesquisa Retratos da
leitura no Brasil traz dados pouco satisfatórios para os estudiosos da formação
do leitor literário. A última pesquisa publicada, em 2011, mostra que apesar
das inúmeras políticas públicas, como a distribuição gratuita de livros a
escolas e o abastecimento de bibliotecas, há insuficiência nas estatísticas
relativas aos leitores no Brasil.
Atrelados a essas
estatísticas, os resultados de avaliações nacionais e internacionais, a que são
submetidos os alunos e os professores, não apresentam resultados positivos em
relação ao domínio da leitura e da escrita, sendo incompatíveis com os investimentos
governamentais feitos em materiais de leitura (LÁZARO, 2009, p. 10).
Assim, torna-se
necessário o investimento na formação de mediadores de leitores, pressupondo a
formação de todos os sujeitos que podem estar envolvidos, principalmente os
professores, bem como atrelar essa formação aos mais variados espaços e
públicos. Este sujeito deve ser focalizado pois segundo a pesquisa feita pelo
Intituto Pró-livro, Retratos da leitura no Brasil, de 2011, o professor possui
a melhor atuação como mediador de leitura, atingindo 45% das respostas à
questão pesquisada: “quem mais influenciou os leitores a ler”. Os professores
são, nesta questão, seguidos pela mãe (ou responsável do sexo feminino), com
43% das respostas obtidas. Em uma comparação entre 2011 e 2007, a resposta
“Professor ou professora” para esta pergunta, cresceu 12%. Na última edição
havia chegado a 33% das respostas e a mãe (ou responsável do sexo feminino) era
quem mais influenciava os leitores.
Outro ponto importante
que a pesquisa aponta é que os professores são a figura que mais têm feito a
atividade de ler com as crianças entre 5 e 12 anos (16,8% da amostra) que costumam
ler acompanhadas seguidos novamente pela mãe (o adulto lê para a criança). O Instituto
Pró-livro avalia como positivo esse resultado defendendo que eles dão pistas de
que, apesar de não haverem números milagrosos com relação à leitura no Brasil,
os programas voltados ao incentivo desta, melhoria das bibliotecas, formação de
professores mediadores, devem ser incrementados. Esses investimentos devem
continuar fazendo parte da pauta das agendas e políticas públicas.
Nesse sentido, Lígia
Cademartori, em seu livro “O professor e a literatura: para pequenos, médios e
grandes” discute exatamente esta relação que o professor deve manter com a
literatura. São apresentados e discutidos aspectos e elementos próprios da
literatura infantil, seja clássica ou contemporânea; da literatura juvenil e
reflexões acerca da sua definição; da formação de leitores no espaço escolar;
das diferentes modalidades de poesia endereçadas aos estudantes, e da
influência das relações de consumo na literatura e na formação dos leitores,
hoje, bombardeados pelos best-sellers.
Ao olhar o livro “O
Professor e a Literatura: para pequenos, médios e grandes” de Lígia Cademartori
chamou-nos a atenção a fala da professora Magda Soares na contracapa
“Felizmente, este livro é a obra sobre literatura na escola, sobre as relações
do professor com a literatura, sobre as relações entre professor e alunos com a
mediação da literatura”. Essa fala nos fez questionar: como alunos e professores veem a literatura? Quais relações o professor
estabelece com a literatura? E os alunos? De que forma alunos e professores
podem ser mediadores da literatura?
Sem a figura do mediador, os livros constituem patrimônio cultural
morto e não apropriado. Dessa forma faz-se necessária a atuação de um leitor
mais experiente que possa mediar a relação entre o possível leitor e o objeto
cultural - livro. É preciso que se construa sobre o livro um valor de uso, um
valor social, para além do uso meramente escolar, e que haja uma relação de
necessidade de leitura.
A mediação nas práticas de incentivo à leitura
deve ser entendida não como método assistencial e pedagógico de ação, mas como
um processo de produção de leitores, de transformação de cidadãos em cidadãos
leitores. Desse ponto de vista, em vez de o mediador operar como um
intermediário ou como um “tradutor” junto a pessoas que têm dificuldades de
leitura, ele atua como um formador de leitores. A mediação de leitura, tal qual
a entendemos, é um processo no qual a relação entre dois ou mais sujeitos –
agentes de leitura e leitores – é mediada por um livro ou por um conteúdo
escrito determinado que os faz dialogar entre si.
De maneira didática, a autora nos
apresenta essas ideias por meio da obra Sr.
Pip, de 2006, do escritor Lloyd Jones, que promove “uma reflexão sobre a
relação do leitor, em sentido amplo, e do professor (não institucionalizado),
em sentido restrito, com a literatura. A história ilustra bem certa natureza
pertubadora da literatura que, mesmo em uma ilha sitiada, precisa encontrar
condições para existir. Uma delas, o escapismo, pode ser uma primeira etapa na
experiência de leitura, apesar do sentido pejorativo atribuído ao termo. Ele
pode estar na base da formação dos mais requintados leitores, assim como de
escritores de grande talento. Uma outra etapa da relação com a literatura é
descobrir a própria voz, a subjetividade
que preenche os vazios da obra. Entretanto, uma outra constatação a que
a obra nos leva, segundo Cademartori é que nem todo mundo pode ser leitor. Para
aqueles que são, segundo Piglia (citado por Cademartori, p. 24) “a leitura
constrói um espaço entre o imaginário e o real.(...) Não existe nada
simultaneamente mais real e mais ilusório do que o ato de ler”.
A mediação é, pois, uma relação de troca, de aprendizado recíproco, e
de ampliação de uma percepção individual a partir de sua composição com outras
formas de percepções em relação ao mesmo objeto, uma ampliação que permite que
a apropriação individual desse objeto – um objeto de conhecimento – só possa
dar-se coletivamente. Isto significa que apropriar-se de um conhecimento é o
mesmo que se tornar capaz de compartilhá-lo.
O professor enquanto mediador “ensina
cada um a perceber que tem uma voz própria, uma singularidade, e que esse é um
dom especial, que ninguém poderá
jamais tirar” (CADEMARTORI, 2012, P. 22). A experiência que cada ser humano
vivencia com o livro é única, mesmo contando com a colaboração de um mediador,
pois, segundo a autora, as vivências do sujeito interferem no texto ou na
história de tal modo que podem modificar a experiência, o fato de ter gostado
ou não do livro. Assim são nossos alunos que ficam extasiados, atentos e com
olhares diversos (de espanto, alegria, tristeza) quando contamos uma história.
Dizem: “nossa, que legal!”, “conta de novo professora!”. Chega o final da aula
ou passam-se alguns dias e eles falam “lê aquela história novamente
professora.” Entretanto, após a leitura de um livro para os alunos sempre resta
uma pergunta: Será que existe uma forma
mais encantadora de se ler um livro? Como seria?
Quando se trata de leitura, de promovê-la na escola ou em outro lugar,
ou quando se discute a experiência do professor como leitor, é importante ter
presentes os diversos estágios por que passa um leitor, porque a formação não
se dá uma só vez, nem de modo único ou mecânico. Tornar-se leitor é processo
que ocorre ao longo do tempo e de distintas maneiras para diferentes pessoas. É
preciso saber que não necessariamente um estágio leva a outro. (CADEMARTORI,
2012, P. 23 E 24)
A autora menciona diversos estágios por quais passa um leitor. Que estágios seriam esses? Será que o professor passou por esses
estágios? Até por que segundo Cademartori (2012), o Brasil ainda não é um
país leitor, por questões social, econômica, política, histórica e cultural e muitos
professores não tiveram as condições necessárias para se desenvolverem
devidamente como leitores.
A autora afirma que o espaço da
leitura é aquele da cultura formada pelo conjunto de textos de diversa natureza
que atuam como mediação na nossa interação com o real. Cademartori (2012, p. 90
e 91) esclarece que
a capacitação dos alunos à leitura é um dos objetivos do ensino
fundamental, habilidade que deve ser aprimorada no ensino médio. Iniciativas,
incentivos e programas de leitura que propiciam tal capacitação são de
importância vital na educação. Esforços nesse sentido são crescentes no país,
impulsionados por razões culturais, sociais e políticas. Mas a formação de
leitores literários extravasa o âmbito do trabalho de massa. Envolve
particularidades de uma sintonia mais fina, além da disposição para aventuras
subjetivas, que não existe em qualquer professor nem em qualquer aluno.
Vale questionar: como a escola
do ensino fundamental e médio está capacitando os alunos para a leitura? Quais
estratégias ela está utilizando para formar leitores literários?
Escola, pais, políticas públicas, todos os envolvidos nesse processo
de formação de leitores não podem deixar de lado uma questão que tem permeado
as relações às quais nossos mais novos leitores estão submetidos e para a qual
Cademartori nos chama a atenção: a do consumo. A literatura também é hoje
marcada pelas relações capitalistas e os exemplos mais claros são os
best-sellers e as obras que se espelham neles buscando o mesmo mercado (mas que
nem sempre o alcançam). Todos esses ocupam as prateleiras centrais das
principais livrarias dos shoppings centers e impõem, muitas vezes, uma lógica
consumista dentro das relações interpessoais em que há de se reproduzir o que é
aceito pela sociedade, inclusive o que se lê. Se todos estão lendo “A culpa é
das estrelas” e conversam sobre ele na hora do recreio, no whatsApp, etc. é
necessário, como sobrevivência social, que eu também o leia, mesmo que para
isso sacrifique o tempo que iria destinar a alguma outra leitura.
Para concluir Cademartori (2012, p.125) esclarece, “talvez a tarefa
fundamental do professor, hoje, seja ensinar a seus alunos como distinguir,
entre as múltiplas vozes das mensagens impressas e eletrônicas de todo tipo que
o cercam, quais de fato merecem atenção deles, por serem capazes de atender, de
algum modo, suas necessidades de ser”.
CADEMARTORI,
Ligia. O
Professor e a Literatura: para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte,
Editora PUC Minas, 2ª edição, 2012.
LÁZARO, André. Mediação de Leitura:
Discussões e alternatvas para a formaçãode leitores (Prefácio). SANTOS, F.;
NETO, J. C. M.; RÖSING, T. M. (Org.). 1ª ed. São Pualo: Global, 2009.
*Regilane e Luciana
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