LIVRO: A TROCA
Lygia Bojunga
Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito
pequena os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era
tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado,
encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá
dentro pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de
tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando
palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E
quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o
telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora
alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu,
cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa
troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria
vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas, como a gente tem mania de sempre querer
mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em
algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai
morar.
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