Veja o link do livro A vida como ela é...:
http://copyfight.me/Acervo/livros/RODRIGUES,%20Nelson%20%20-%20A%20Vida%20Como%20Ela%20E%CC%81...%20O%20Homem%20Fiel%20e%20Outros%20Contos.pdf
CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA A VIDA COMO ELA É...
“A
vida como ela é... se tornou justamente útil pela sua tristeza ininterrupta
e vital. Uma pessoa que só tenha do mundo uma visão unilateral e rósea, e que
ignore a face negra da vida, é uma pessoa mutilada”.
Nelson Rodrigues
A
vida como ela é... é uma obra composta por vários contos que Nelson
Rodrigues escrevia todos os dias para o jornal Última Hora do Rio de Janeiro,
no período de 1951 a 1961. Durante dez anos o autor criou quase duas mil
histórias de amor, paixão e morte em torno do tema adultério. Estas histórias o
tornaram conhecido na época e nos dias de hoje, entretanto de acordo com os
conservadores suas peças de teatro tinham forte apelo sexual. Além disso, os
contos pareciam não pertencer à literatura, talvez por serem publicados na
mesma seção de crimes do jornal e, por isso, as histórias eram trágicas,
recobertas com humor negro e romantismo. O preconceito impossibilitou que
Nelson fosse reconhecido como um dos grandes contistas brasileiro.
O livro foi lançado, pela primeira vez,
em 1961, pela editora J. Ozon, em dois volumes, intitulado Cem contos
escolhidos, que foram selecionados pelo próprio Nelson Rodrigues. Em 1992,
a Companhia das Letras lançou A vida como ela é... O homem fiel e outros
contos, com seleção de Ruy Castro, reunindo quarenta e cinco histórias dentre
as cem favoritas de Nelson Rodrigues (entre elas dez inéditas em livro, a
famosa “A dama do lotação” e uma rara história em seis partes, “Paixão de
morte”). Em 2006, a editora Agir
compilou os dois volumes da primeira edição de A vida como ela é..., com
as cem histórias reunidas em um único volume. As histórias que ele escrevia
eram reflexos dos casos que as pessoas lhe contavam, da sua observação dos
subúrbios do Rio de Janeiro, das paixões que ouvira falar quando criança e,
principalmente, de suas reflexões sobre o casamento, o amor e o desejo.
A cidade carioca na década de 50,
período em que o autor escreve os contos, era repleta de mulheres que flertavam
nos ônibus e bondes, poucas pessoas tinham carro, os vizinhos vigiavam-se uns
aos outros e maridos e mulheres viviam na mesma casa com as primas, cunhadas e
cunhados. Como não havia motéis, os encontros amorosos se davam em apartamentos
emprestados por amigos e a vida sexual, para se realizar, exigia o vestido de
noiva, a noite de núpcias e a lua-de-mel. Além disso, o casal típico,
considerado perfeito, compunha-se do marido, da mulher e do/da amante. Pode-se
considerar que a figura do amante era essencial aos casamentos, praticamente,
um alicerce das relações matrimoniais.
Os personagens faziam parte da pequena
burguesia que, em geral, moravam na Zona Norte, trabalhavam no Centro e,
algumas vezes, freqüentavam a Zona Sul para corromper-se. Todos viviam em um
estado constante de tensão sexual, como se esse fosse o eixo condutor de suas
existências. As situações e os atos tendiam, na maior parte dos casos, ao
radicalismo: se houvesse um adultério entre membros da família, por exemplo,
todos acabavam participando; a mulher que se matava para provar a fidelidade ao
amado; o marido que colaborava na prostituição da esposa; a mal amada que só
passava a respeitar seu cônjuge após ser espancada na rua. Essas são algumas
das cenas presentes na obra, que renderam ao dramaturgo a fama de pervertido.
A época retratada no livro é
definida como Anos Dourados, por ser, imediatamente posterior à II
Guerra Mundial e por trazer o progresso científico, tecnológico e cultural ao
Brasil. Neste período, a capital federal era o Rio de Janeiro, servindo de
referência para as demais cidades brasileiras e lugar comum das narrativas
rodrigueanas, o que criou o imaginário social a seus leitores acerca da cidade
e dos cariocas. A obra refletia o que estava
acontecendo na época, pois mostrava uma sociedade com desgastes e com novos
paradigmas para as relações familiares e amorosas, chocando e revelando as
mazelas das famílias cariocas. Nelson mostrava nos contos, as marcas fortes
desta sociedade: as paixões brutais, patológicas, as obsessões e as
intimidades.
As histórias de A vida como ela é...
logo se tornaram populares, por seu fácil acesso – o jornal, com linguagem
objetiva, textos curtos e uso de expressões e frases populares faladas na
época. Com isso, as pessoas liam nos bondes, a caminho de casa. Rodrigues escreveu os contos, sob a forma de
histórias curtas que causavam familiaridades e estranhezas, com personagens
intensas, frases de impacto, linguagem simples e direta e vocábulo certo e
preciso, o que fez os leitores mais sofisticados virarem a cara para essa
narrativa.
Caracterizados pelo ambiente urbano das
grandes cidades, os contos narram encontros repentinos no meio da rua, nos
bares, cafés e sorveterias, nos ônibus e bondes, nos escritórios e repartições
públicas. Outra característica importante é a utilização de uma linguagem
cotidiana que, através de expressões como “batata”, “carambolas”, “não amola”,
“ora pílulas”, criavam esse universo urbano das personagens. Da mesma forma, os
diálogos curtos imitavam as falas cotidianas e as conversas entre amigos ou
parentes. A vida como ela é... está conectada ao ambiente cotidiano, tem
como pré-requisito visitar os assuntos mais prosaicos, a fim de estabelecer uma
relação de cumplicidade com o leitor.
Os contos “O decote”, “Casal de três”,
“A dama do lotação” e “Uma senhora honesta”, falam sobre casamentos e sua
principal característica é a recorrência da infidelidade feminina ou o desejo
das esposas por outros homens que não são seus maridos. A infidelidade feminina
pertencia, neste período, à esfera da vergonha, do tabu e da polêmica.
O autor recorria a dois temas que palpitavam
naquela época: a modernização e as mudanças de comportamentos decorrentes da
vida urbana, que incitavam a uma desconfiança permanente sobre as mulheres. A
fidelidade feminina estava diretamente relacionada à honra da família e, assim,
à masculinidade do marido. Nesse sentido, a dúvida sobre a fidelidade ou não
das esposas era uma preocupação constante. No período em que são escritos os
contos, a infidelidade masculina não era condenada.
Além do sucesso no jornal e em livro, A
vida como ela é... inspirou, na década de 1960, um programa de rádio
narrado por Procópio Ferreira, assim como um disco e uma fotonovela. Em 1978,
uma das histórias deu origem ao filme A Dama do Lotação, com Sônia
Braga, sob a direção de Neville de Almeida. Na década de 1990, tornou-se um
grande sucesso no teatro, em encenação dirigida por Luiz Arthur Nunes, até
chegar ao horário nobre da TV Globo, dirigida por Daniel Filho e Denise
Saraceni. Na metade dos anos 90, A vida
como ela é... foi um quadro do programa Fantástico
da Rede Globo, que exibia, semanalmente, uma história marcada pelos signos da
luxúria, traição, dos absurdos da paixão e morte.
Um
pouco de Nelson Rodrigues
Nelson Falcão Rodrigues nasceu no
Recife, em 1912. Aos 5 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. A
realidade da Zona Norte carioca, com suas tensões morais e sociais, serviu como
fonte de inspiração para Nelson construir personagens memoráveis e histórias
carregadas de lirismo trágico. Trabalhou nos mais diversos jornais e revistas,
assinando artigos e crônicas, como a popular e discutida coluna “A vida como ela é…”. Morreu no Rio de Janeiro, em 1980, aos 68 anos. Além dos
romances, contos e crônicas, deixou como legado dezessete peças que, vistas em
conjunto, colocam-no entre os grandes nomes do teatro brasileiro e universal.
Regilane
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