segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Entrevista Luís de Camargo

O grupo de trabalho que ficou responsável por estudar e discutir sobre "A mediação da Leitura Literária" fez uma entrevista com Luís Camargo. Postamos agora as opiniões de alguém que tem muito a contribuir para o campo da Literatura Infantil:

Para você, o que é formar um leitor literário?
Para mim, a formação (ou educação) é um processo sempre inconcluso. Ocorre ao longo da vida. O papel de leitor está sempre em desenvolvimento, a cada texto lido, a cada conversa, a cada reflexão. Se é possível falar em formação de leitores, acho difícil definir o que seja um leitor formado. Podemos identificar um ponto de partida, um centro, mas não a circunferência.

Como deveria acontecer essa formação?
Contribuir para a formação do leitor literário significa contribuir para três coisas: o acesso, a compreensão e a apreciação das obras. Para isso é necessário contribuir para o acesso, compreensão e fruição de diferentes gêneros literários. O mediador de leitura precisa ficar atento para acessar, compreender e apreciar diferentes gêneros, inclusive aqueles que estão pouco presentes na escola. Os estudos literários vêm dando atenção, por exemplo, para cartas, diários, memórias, livros de viagem etc. Para o mediador de leitura não basta somente ler, é preciso ter alguma noção de teoria literária, de história da literatura, teorias e medotologias de leitura e mediação etc.

Quais os tipos de leitura o leitor literário precisa ter acesso na sua formação?
Os gêneros são possibilidades. Não acredito em listas fechadas do que deve ser lido, sejam obras, autores ou gêneros. Na medida do possível, o mediador de leitura precisa ter algum conhecimento sobre o gênero que pretende trabalhar. A fábula, por exemplo, é um gênero muito presente, mas sobre o qual se conhece muito pouco. Não se leva em conta que há fábulas em prosa e em verso. Que esse é um gênero de longa tradição escrita, desde pelo menos o século III a.C. (ao contrário do conto popular, que começa a ser registrado por escrito a partir do século XVII na França e no século XIX na Alemanha, na Inglaterra, no Brasil, na Rússia etc.) Acredita-se também que a fábula tem como protagonistas apenas animais, ignorando-se fábulas sobre árvores, flores, vento, pessoas, deuses etc. Outro falso conhecimento sobre a fábula é acreditar que toda fábula precisa ter uma lição de moral no final, destacada do texto principal. Ora, há fábulas que começam pela moral, outras em que a moral é enunciada por um personagem, outras que não têm moral explícita. Hoje em dia, um dos maiores problemas do estudo da literatura a partir dos gêneros é que muitas vezes se parte de definições simplistas que não levam em conta a varidadade dentro de um mesmo gênero ao longo do tempo.

O que você considera relevante para que o leditor literário continue a construir práticas de leitura ao longo de toda a sua vida?
Cabe ao mediador de leitura contribuir para o acesso, a compreensão e a fruição. Depois, o que cada um vai fazer com essas vivênvias, fica por conta de cada um. A mediação é um processo de abrir portas, não de colocar nos trilhos. O que quero dizer com isso é que não se deve ter um modelo fechado de “leitor formado”, por exemplo, “aquele que lê espontaneamente A Divina Comédia, compreende e aprecia.” O exemplo parece absurdo, mas muitos agem como se todos devessem apreciar determinados escritores e reconhecer outros como descartáveis que não merecem ser lidos.

Qual o papel da família nesse processo? E as famílias de baixa renda, que não têm acesso a esses bens culturais?
As pesquisas indicam que a família, especialmente a mãe, tem grande papel na formação de leitores. No caso de famílias que contribuem pouco para essa formação, cabe à escola assumir esse papel de mediadora. A escola, pode, inclusive, incentivar a família a participar na história de leitura de seus filhos. Conheço experiências em escolas públicas em que a resposta dos pais e outros familiares foi muito positiva.

E o papel da escola? Como o professor deve mediar a leitura?
A educação é um processo de transmissão, recepção e recriação de cultura que ocorre em toda a sociedade, ao longo de toda a vida. O ensino é uma ação planejada de educação. Implica em metas, alvos, objetivos; implica em planejamento; implica em avaliação.
O que caracteriza a mediação literária na escola é o planejamento, a avaliação, o objetivo, bem como a articulação entre um ou mais modelos teóricos de literatura, de leitura e de mediação, certas metodologias e as práticas do dia a dia. Os modos de fazer são inúmeros. Mas não se pode abrir mão da coerência entre teoria, metodologia e práticas, além dos objetivos, planejamento e avaliação. No meu entender, há dois objetivos básicos: desenvolver a compreensão e a apreciação. Essas seriam as duas asas da mediação literária.  

Qual formação o professor deveria receber para realizar a mediação da leitura e a formação do leitor literário?
Acredita-se que é preciso investir na formação de professores leitores porque se o professor não for leitor, não poderá contagiar seus alunos. Aí se esbarra na questão de definir o que é ser um leitor formado. Um bom mediador de leitura não pode ser leitor apenas dos mesmos textos que seus alunos. O mediador de literatura infantil precisa colocar no seu horizonte ir além da literatura infantil. Por outro lado, esse mesmo professor, mesmo sem um repertório muito grande, pode fazer um bom trabalho com seus alunos, se tiver orientação. “Formar um leitor” demora muito tempo. Não podemos nos dar ao luxo de primeiro formar o professor leitor para que depois ele “forme” seus alunos. É preciso transformá-lo num bom mediador de leitura, dentro de suas possibilidades, mesmo que seu repertório de leituras não seja muito amplo.
As universidades que formam os professores têm se mostrado pouco eficientes na formação desses professores com respeito à medicação literária. Isso começa pela ausência da disciplina literatura infantil e juvenil na grade curricular. Outro complicador é a atual abordagem dos textos por gênero textual colocando numa mesma cesta, por exemplo, rótulos, receitas, quadrinhas e contos de fada. Não dá para “mediar” um conto de fadas do mesmo modo do que uma “carta de reclamação”. Enquanto a disciplina literatura infantil e juvenil não integrar o currículo mínimo de formação dos professores, isso precisará ser suprido por formações em serviço, cursos de atualização e, sobretudo, o acompanhamento por mediadores de leitura experientes. Cursos, palestras e oficinas sem acompanhamento não adiantam. Cada um entende segundo o seu conhecimento prévio. Não é incomum que novas ideias sejam “adaptadas” pelo professor aquilo que ele já sabe e faz. Assim, o professor continua agindo da mesma maneira que sempre fez, mas utilizando termos da “moda”. Por isso, só o monitoramento – semanal, quinzenal ou mensal – pode corrigir essas distorções.
Não é simples formar um mediador de leitura. Isso envolve uma bagagem de leitura literária, de leitura teórica, de leitura de metodologias e práticas pedagógicas e ainda discutir a sua prática, levando-o a avançar na compreensão e apreciação das obras, além de capacitá-lo para avaliar seus alunos. (Ação pedagógica sem avaliação é agitação pedagógica... E não há avaliação sem metas, alvos, objetivos.) Por isso proponho assessorar o professor em suas atividades diárias, com uma “formação” paralela.

Para você, por que a formação do leitor literário é importante? Por que a leitura literária é importante para o sujeito social?
O ser humano é um animal curioso, que quer conhecer mais, um animal que quer intensificar seus sentimentos, um animal que imagina, que visa ir além do que é, ou seja, transcender-se. O que é cor e forma e canto e voo nos pássaros, no ser humano é voz, é canto, é dança, é poesia, é pintura, arquitetura etc. A arte é uma dimensão essencial do ser humano. Por falta de acesso e de mediação, muitos ficam à margem dessa dimensão. Sobrevivem sem se dar conta de sua deficiência, acostumados a produtos pseudo-artísticos. No caso específico da literatura, a arte da palavra, não se trata de um conjunto de textos bem escritos ou “belos”, mas de modos de pensar, sentir, perceber e imaginar. A literatura carrega a experiência humana pelo viés do humano. A literatura amplia nosso modo de nos vermos, de vermos a vida, o mundo, de estabelecermos objetivos para nossa vida. Nos leva a questionar decisões, preconceitos, visões simplistas sobre as pessoas, os povos. Mas a literatura frequentemente desequilibra – por isso não se confunde com as receitas prontas das frases atribuídas a grandes escritores que circulam na internet.
          



Resenha Literária: COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. 10ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação
Programa de Pós-graduação em educação e inclusão social
Disciplina: Literatura e multimodalidade na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
Professoras: Célia Abicalil Belmiro e Monica Correa Baptista
Aluna: Raquel Cristina Baêta Barbosa

RESENHA


COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. 10ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
António Emílio Leite Couto (Mia Couto) é africano de Moçambique, formado em Biologia, atua nas questões de impactos ambientais. Desde a sua juventude produz textos literários, e hoje apresenta uma vasta produção na literatura em diferentes gêneros, incluindo romances, poesias e crônicas. É considerado um dos escritores africanos que mais têm suas obras traduzidas para outras línguas.

“Terra Sonâmbula” é o primeiro romance de Mia Couto, publicado em 1992, recebeu o Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e, foi considerado, por um júri na Feira Internacional do Zimbabwe, um dos doze melhores livros africanos do século XX.
O pano de fundo da história narrada é a guerra do Moçambique. O enredo é marcado pelo realismo, crueldade e brutalidade, características que podem assustar e surpreender o leitor. A narração é dividida em duas histórias que se encontram. Há um capítulo que narra os caminhos percorridos por um jovem, Muidinga, e um velho, Tuahir, que vivem na pele todas as consequências desumanas de uma guerra e, um outro capítulo em que  a história de escritos contidos em  um diário encontrado na mala de um homem morto, Kindzu, que também sofreu com a guerra, é lida pelo jovem. Os capítulos que não são nomeados por cadernos de Kindzy são aqueles que tratam da trajetória do velho e do menino, e os capítulos que são enumerados pelos cadernos do homem morto, são os relatos do seu diário.
As leituras realizadas pelo jovem, para o velho, eram oportunidades que eles tinham de sair da crueldade e da falta de esperança da realidade vivenciada e ir para um outro mundo. A leitura dos escritos do diário permitia que eles criassem realidades paralelas que ajudavam a seguir a viagem marcada pela falta de condições mínimas de sobrevivência. A história lida por eles é de um homem que saiu de casa para tentar encontrar um sentido para sua vida. Nesta narrativa há também elementos da desigualdade social, da discriminação, das crenças que destroem vidas, de amores proibidos, de autoritarismo, de injustiças.
Esta obra evidencia o sofrimento humano de pessoas que se inseriram no contexto da guerra e mostra as estratégias utilizadas por elas para conseguirem sobreviver sem enlouquecer com a ausência de condições básicas e mínimas de sanidade.
As estratégias mais evidenciadas são a leitura e a escrita. A leitura auxiliou os dois caminhantes e a escrita ajudou o homem que foi em busca de um sentido para a sua vida. Esse romance me convidou a refletir sobre a relevância da Literatura na vida dos sujeitos, ao ampliar as possibilidades de se pensar e se organizar a realidade posta, ao permitir que a crueldade vivenciada fosse suavizada, que sonhos fossem construídos, juntamente com diálogos e extrapolações do real.
A leitura da obra nem sempre traz sentimentos bons, gera angústia e reflexão sobre as consequências da disputa de poder nos seres humanos comuns. É um livro que traz qualidade relevante em diferentes aspectos gráficos e textuais e, mantém o leitor concentrado na leitura. Os fechamentos dos capítulos são sempre um convite para o seguinte. É uma obra que já foi publicada em diferentes edições que apresentaram distintas capas. Foram coletadas algumas das capas das distintas versões da obra publicadas aqui no Brasil:

A leitura da obra “Terra Sonambula”, marcada pela tragédia humana da guerra,  me remeteu a uma obra que retrata um contexto difícil da Segunda Guerra Mundial e do Nazismo e a personagem principal recorre à leitura para se distanciar um pouco do sofrimento vivido diariamente.  “A Menina que roubava Livros” é também uma obra intensa que retrata a realidade na visão de uma criança que ficou órfã e foi adotada por uma família extremamente pobre. O pai adotivo a ensina a ler e a escrever e a partir daí a menina recorre a livros o que a possibilita lidar melhor com a crueldade do nazismo.

 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014


RESENHA LITERÁRIA
Livro: Medeia: o amor louco - adaptação da peça teatral de Eurípides; adaptação Luiz Galdino; ilustrações: Victor Tavares. São Paulo: FTD, 2005.

 

Em “Medeia: o amor louco”, Luiz Galdino apresenta, em prosa narrativa, uma das tragédias mais conhecidas de Eurípides. Galdino fez uma adaptação da história de Medeia, da mitologia grega, apresentando o conteúdo da peça com uma linguagem mais acessível, para um público juvenil. Integrante da coleção Teatro em Prosa, "Medeia: o amor louco" tem 112 páginas. A ilustração é de Victor Tavares. O livro possui dezesseis capítulos curtos, como se fossem as cenas de uma peça teatral. Galdino termina os capítulos com uma instigante interrogação a respeito do que vai acontecer no andamento do enredo. Assim, instaura-se o prazer da leitura, prendendo o leitor nas situações da trama.

 Sobre a história:

O livro apresenta Medeia, uma personagem da mitologia grega, muito anterior à tragédia. Esse mito é revisitado por Eurípides em 431a.C., considerado o autor que humanizou o gênero por mostrar heróis em vidas comuns.

O mito de Medeia insere-se no ciclo narrativo dos Argonautas que nos chegou até hoje, de forma mais completa, na obra "Argonáutica" de Apolônio de Rodes (século III a.C.) que se baseou em material disperso, a que tinha acesso na famosa biblioteca de Alexandria.

Segundo esse mito, Jasão era rei de Iolco, porém, ao ficar fora por um tempo, perdeu o trono para seu tio. Para que Jasão recuperasse o trono, teria que tomar posse de uma pele de carneiro de ouro (tosão de ouro), roubado de sua família pelos bárbaros do oriente. Assim, Jasão organizou uma expedição chamada Argonáutica, que o levou à cidade de Cólquida. Lá conheceu Medeia, filha de um rei, com quem se casou.  Apaixonada, ela usa seus poderes de feiticeira para ajudar Jasão a vencer os obstáculos impostos por seu pai. Devido a alguns acontecimentos dramáticos, eles tiveram que fugir para Corinto.

A adaptação de Galdino apresenta a história de Medeia em Corinto. A peça se inicia com a velha ama de Medeia, lamentando-se pela traição de Jasão, que saiu de casa para se casar com a filha do rei de Corinto, Creontes. Medeia sente-se abandonada e humilhada, depois de tudo o que fez por seu marido. Ela largou sua terra e sua família para seguir ao lado de um grande amor, que lhe trocou por outra. Em seguida, Medeia recebe a visita de Creontes, que a expulsa de seu reino, temendo uma vingança. Ela pede mais um dia, para que arrume suas coisas e arranje outro lugar para morar. Cedendo ao pedido, Creontes vai embora, dando o prazo de um dia para que Medeia deixe a cidade. Jasão oferece ajuda a Medeia, para que ela consiga buscar exílio em outras terras. Ressentida e magoada com Jasão, Medeia o expulsa de casa. Pouco depois, ela recebe a visita de Egeu, rei de Atenas, que lhe pede ajuda para outra situação. Medeia promete ajudá-lo em troca de exílio. Depois de saber os sofrimentos pelos quais Medeia está passando, Egeu concorda. Medeia chama então Jasão para uma conversa e o convence que está arrependida pelas coisas que disse. Pede para que seus filhos fiquem com o pai, morando no castelo real. O que Jasão concorda feliz. Na sequência, Medeia manda seus dois filhos entregarem presentes à princesa, filha de Creonte. Porém, os presentes estavam envenenados, matando assim a princesa e o rei, que tentou salvá-la. Quando descobre, Jasão corre para sua antiga casa à procura de seus filhos, pois ele agora teme pela segurança deles. Ao chegar, Jasão encontra seus filhos mortos, pelas mãos de sua própria mãe. Não poderia ter havido vingança maior do que tirar do homem sua descendência. Medeia mata, por ciúme, os próprios filhos, que também são filhos de Jasão, para feri-lo de morte, “fazer sangrar o coração do homem amado do mesmo modo que o seu sangra”.

A personagem Medeia tornou-se símbolo de mulher traída, capaz de transformar amor em ódio para vingar-se do homem pelo qual se apaixonou. Ela é a mulher que Eurípides usou para demonstrar até onde vai o desejo de vingança do ser humano e quantas atitudes horrendas é capaz de cometer em nome de uma traição.

A tragédia grega, Eurípides e a adaptação de Luiz Galdino:

O teatro é uma das formas de expressão literária que a antiga Grécia mais usou para demonstrar seus anseios e tormentos. Com o passar do tempo, essa arte criou vida própria e invadiu Roma, Inglaterra e França.

Eurípides, dramaturgo grego, escreveu a peça Medeia no ano de 431 antes de Cristo. Naquela época, o teatro era responsável pela construção e educação do homem grego, em particular do ateniense. As peças apresentavam discussões sobre os acontecimentos cotidianos dos atenienses, baseando-se nos mitos. O papel da mulher na cultura ateniense foi discutido de maneira bastante trágica nesta peça. O que poderia acontecer, se uma mulher coberta de emoção e paixão, sentimentos irracionais para os gregos, em oposição ao homem racional, decidisse resolver suas mágoas com suas próprias ações? Eurípedes focaliza sua obra Medeia em uma personagem feminina, pois na Grécia Antiga a mulher era vista como fraca, seu papel era cuidar do lar e de seu marido. Medeia mostrou a angústia, o sofrimento que pode morar dentro de um coração e as consequências desse sofrimento. No caso da obra, não poderia haver maior vingança do que tirar do homem a sua família.
Eurípedes é um dos trágicos mais conhecidos e estudados. Ele humaniza a tragédia, sobretudo quando questiona a virtude dos deuses. O realismo é outra característica de Eurípides, na qual as paixões humanas fora de controle são o motor da tragédia. Foi também o responsável por levar para a tragédia dramas individuais e cotidianos, e por incorporar nos textos as mudanças que ocorriam no pensamento do homem grego, que buscava justificar suas ações e relativizar valores até então inquestionáveis. Ele retrata os homens da maneira como agem, sem pretender mostrar como devem ser.

Luiz Galdino é um escritor paulista que se destaca em obras para jovens e crianças. Dos prêmios brasileiros mais importantes, ele conquistou o Jabuti, com Terra sem males; e o João-de-Barro, com Sacici Siriri Sici. Foram quase trinta prêmios com cerca de quarenta títulos publicados, inclusive no México e nos Estados Unidos.
Para ler o livro: http://www.lendo.org/wp-content/uploads/2007/06/medeia.pdf

 Algumas obras de arte que remetem à Medeia:

Medeia, de Paul Cézanne

 
Medea, de Henri Klagmann, Nancy, Musée des Beaux-Arts

 

  Curiosidades sobre algumas interpretações teatrais a partir da tragédia grega Medeia:
No filme de 1963, Jason and the Argonauts (Jasão e os Argonautas), Medeia foi interpretada por Nancy Kovack.

Medeia é a personagem Joana de Gota d'Água, peça teatral dos escritores brasileiros Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975, e publicada em livro homônimo em 1975. A ideia foi originalmente derivada de um trabalho de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça grega clássica de Eurípedes sobre o mito de Medeia, para a televisão, e à memória do qual foi dedicada.
A tragédia de Eurípedes foi transformada em filme duas vezes, pelo italiano Pier Paolo Pasolini e pelo dinamarquês Lars Von Trier.

(Publicado por Maria do Carmo Gallo Cruz)

domingo, 14 de dezembro de 2014

Texto comentado do Livro “O filho eterno”, Cristóvão Tezza



        O Filho Eterno é um livro basicamente autobiográfico, que se afigura com uma brilhante reflexão sobre a necessidade da ação do tempo para que o processo de amadurecimento/maturação ocorra. É um dos romances do escritor catarinense Cristóvão Tezza, ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura no ano de 2008. O autor nasceu em Lages (Santa Catarina – 1952) e estudou Letras na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi Doutor em Literatura Brasileira pela USP, e atualmente é considerado um dos maiores escritores brasileiros da contemporaneidade, tendo recebido prêmios importantes, como os Prêmios Machado de Assis e da Academia Brasileira de Letras. Além de O Filho Eterno, confirmado como o melhor romance do ano de 2007, Tezza é autor de outras obras importantes, como Trapo, Fantasmas da Infância, Breve Espaço entre a Cor e a Sombra e Ensaio da Paixão.
        Este livro foi escolhido por mim como uma sugestão para o grupo (futura leitura), justamente por apresentar o lado humano da personagem, desconstruindo ideias românticas e superficiais de pais que vivem a experiência de terem filhos com deficiência mental. Em um breve resumo, O Filho Eterno relata a história do relacionamento entre um pai e um filho separados, a princípio, por uma herança genética inesperada: a síndrome de Down. De um lado, um homem inseguro que viu seus sonhos e expectativas desmoronarem, mudando por completo o planejamento de sua vida. Do outro, uma criança destinada a viver para sempre na dependência do outro.
        O conflito mental constante por parte de pai, claramente apresentando pelo escritor, mostra sua insegurança inicial, e talvez até certo “despreparado” para lidar com o tipo de situação abordada no texto – aceitar a síndrome de Filipe. Em determinados momentos, o leitor pode escandalizar-se com a honestidade dos sentimentos e inconformismo do pai. Devido ao nível das descrições de atos e pensamentos da personagem com relação à criança, o leitor aproxima-se do pai e vive (entra) seus próprios dilemas: sente vergonha, insatisfação, culpabilização da esposa pelo nascimento de um indivíduo “anormal”, desejo de morte do filho como forma de consolo, dentre outros sentimentos humanos carregados de culpa. Nesse sentido, tais indagações tornam a obra ainda mais real, honesta e humana.
       A primeira coisa que chama a atenção, como já dito, é a história contada em terceira pessoa, demonstrando imenso caráter autobiográfico. Cristóvão Tezza nega veementemente tal constatação, mas não podemos deixar de perceber uma espécie de acerto de contas entre ele e o filho ao longo das páginas. Tezza desnuda seu orgulho e preconceitos entranhados na forma de ver e sentir o mundo familiar e social.  A segunda coisa que podemos destacar é que as personagens não têm nome próprio, são chamadas de “mãe”, “pai”, “irmã”. Com a exceção de Felipe, o filho. Uma hipótese seja o fato do autor tentar ao máximo dar ênfase na sua relação com o filho, deixando outras personagens como segundo plano, ou mesmo como figurantes de um enredo específico.
        O início do romance já nos dá a clareza da dificuldade de vivência que a personagem irá enfrentar na história. Na sua abertura vemos a voz da mãe anunciando ao pai a chegada do iminente filho, e ao mesmo tempo vai construindo a figura desse pai-narrador, por meio de um discurso amparado em termos que expressam dúvidas, incompletudes e indefinições. A personagem se descreve como um poeta retardatário, antiquado, imobilizado em sua opção profissional, e sustentado pela esposa. Ele, vez ou outra dá aulas particulares ou faz revisão textual de teses e dissertações sobre variados temas.  Suas próprias auto definições mostram a crueza no estilo da escrita, justamente para enfatizar os sentimentos do pai: “Alguém provisório, talvez, alguém que , aos 28 anos, ainda não começou a viver. [...] ele não tem nada, e não é ainda exatamente nada”. (p.9) “[...] Sou um filhote retardatário dos anos 70.” (p.12).
          Uma boa parte da história passa com o pai “acreditando” que o filho talvez não tenha problema algum, ele nega tudo, se ilude. Muitas páginas são dedicadas a suas memórias anteriores ao casamento, como quando foi para a Europa com uma mão na frente e outra atrás. O autor dedica grande parte do tempo falando de sua experiência de imigrante em países de primeiro mundo. Com o passar do tempo a sua vida começa a tomar um rumo em direção a uma maior responsabilização e, aos poucos seu processo de maturação e aceitação emerge, principalmente quando a diretora da escola do Felipe diz que ele precisará se mudar para uma escola específica para crianças como ele. O pai fica transtornado. Nesse meio tempo a esposa engravida novamente e surge o pânico de que o novo filho também tenha a síndrome do irmão. E, finalmente, vem a aceitação e o desejo do pai de se aproximar do filho, de ensinar-lhe alguma coisa. Como ele é professor e escritor, tenta se aproximar de Felipe pelas letras, porém é do futebol que o filho tanto gosta.
            É importante mostrar a importância do futebol como via de acesso ao filho. Nesse caso, Felipe mostra sua personalidade, exemplificada pela dificuldade em lidar com a frustação, e sua socialização através do esporte, via pelo qual o pai também se socializa. É interessante pensarmos no futebol como via de acesso ao mundo da escrita e leitura, pois, através dele, Felipe é capaz de distinguir a maioria dos times pelo nome, que depois ele digitará no computador para baixar os hinos de cada clube, e cantá-los para cada visita nova. E assim, a trama se encerra demonstrando que o tempo e a convivência foram, nesse caso, necessários para o amadurecimento pessoal, e, determinantes para a aceitação e crescimento do pai.  
         Por fim, depois da breve análise do livro, apresento o filme Os Colegas para compor a discussão sobre o tema da Síndrome de Down. Trata-se de um breve resumo do filme, como um equilíbrio para a “crueza” do livro Filho Eterno. O filme representa o lado romântico e genuíno de jovens portadores dessa deficiência. Em breve resumo, é uma divertida comédia que aborda de forma inocente e poética coisas simples da vida através do olhar de três jovens com síndrome de Down apaixonados por cinema. Um dia, inspirados pelo filme Thelma & Louise, eles resolvem fugir no Karmann-Ghia do jardineiro em busca de seus sonhos: Stalone quer ver o mar, Marcio quer voar e Aninha busca um marido para se casar. Eles partem do interior de São Paulo rumo a Buenos Aires. Nessa viagem, enquanto experimentam o sabor da liberdade, envolvem-se em inúmeras aventuras e confusões como se a vida não passasse de uma eterna brincadeira. O filme ganhou o Kikito de melhor filme, e demonstra que, assim como o livro Filho Eterno, o tema da inclusão está ganhando cada vez mais espaço. O diretor Marcelo Galvão recebeu o prêmio, junto aos três atores Ariel Goldenberg, Rita Pook e Breno Viola (conforme a foto abaixo). Vale ressaltar que O Kikito é o prêmio de cinema mais importante do país.