O
Filho Eterno é um livro basicamente autobiográfico,
que se afigura com uma brilhante reflexão sobre a necessidade da ação do tempo
para que o processo de amadurecimento/maturação ocorra. É um dos romances do
escritor catarinense Cristóvão Tezza, ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura
no ano de 2008. O autor nasceu em Lages (Santa Catarina – 1952) e estudou
Letras na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi Doutor em Literatura
Brasileira pela USP, e atualmente é considerado um dos maiores escritores
brasileiros da contemporaneidade, tendo recebido prêmios importantes, como os
Prêmios Machado de Assis e da Academia Brasileira de Letras. Além de O Filho Eterno, confirmado como o melhor
romance do ano de 2007, Tezza é autor de outras obras importantes, como Trapo,
Fantasmas da Infância, Breve Espaço entre a Cor e a Sombra e Ensaio da Paixão.
Este livro foi
escolhido por mim como uma sugestão para o grupo (futura leitura), justamente
por apresentar o lado humano da personagem, desconstruindo ideias românticas e
superficiais de pais que vivem a experiência de terem filhos com deficiência
mental. Em um breve resumo, O Filho
Eterno relata a história do relacionamento entre um pai e um filho
separados, a princípio, por uma herança genética inesperada: a síndrome de Down.
De um lado, um homem inseguro que viu seus sonhos e expectativas desmoronarem,
mudando por completo o planejamento de sua vida. Do outro, uma criança
destinada a viver para sempre na dependência do outro.
O conflito mental
constante por parte de pai, claramente apresentando pelo escritor, mostra sua
insegurança inicial, e talvez até certo “despreparado” para lidar com o tipo de
situação abordada no texto – aceitar a síndrome de Filipe. Em determinados
momentos, o leitor pode escandalizar-se com a honestidade dos sentimentos e
inconformismo do pai. Devido ao nível das descrições de atos e pensamentos da
personagem com relação à criança, o leitor aproxima-se do pai e vive (entra)
seus próprios dilemas: sente vergonha, insatisfação, culpabilização da esposa
pelo nascimento de um indivíduo “anormal”, desejo de morte do filho como forma
de consolo, dentre outros sentimentos humanos carregados de culpa. Nesse
sentido, tais indagações tornam a obra ainda mais real, honesta e humana.
A primeira coisa que
chama a atenção, como já dito, é a história contada em terceira pessoa,
demonstrando imenso caráter autobiográfico. Cristóvão Tezza nega veementemente
tal constatação, mas não podemos deixar de perceber uma espécie de acerto de
contas entre ele e o filho ao longo das páginas. Tezza desnuda seu orgulho e
preconceitos entranhados na forma de ver e sentir o mundo familiar e
social. A segunda coisa que podemos
destacar é que as personagens não têm nome próprio, são chamadas de “mãe”,
“pai”, “irmã”. Com a exceção de Felipe, o filho. Uma hipótese seja o fato do autor
tentar ao máximo dar ênfase na sua relação com o filho, deixando outras
personagens como segundo plano, ou mesmo como figurantes de um enredo
específico.
O início do romance já
nos dá a clareza da dificuldade de vivência que a personagem irá enfrentar na
história. Na sua abertura vemos a voz da mãe anunciando ao pai a chegada do
iminente filho, e ao mesmo tempo vai construindo a figura desse pai-narrador,
por meio de um discurso amparado em termos que expressam dúvidas, incompletudes
e indefinições. A personagem se descreve como um poeta retardatário, antiquado,
imobilizado em sua opção profissional, e sustentado pela esposa. Ele, vez ou
outra dá aulas particulares ou faz revisão textual de teses e dissertações
sobre variados temas. Suas próprias auto
definições mostram a crueza no estilo da escrita, justamente para enfatizar os
sentimentos do pai: “Alguém provisório, talvez, alguém que , aos 28 anos, ainda
não começou a viver. [...] ele não tem nada, e não é ainda exatamente nada”. (p.9)
“[...] Sou um filhote retardatário dos anos 70.” (p.12).
Uma boa parte da
história passa com o pai “acreditando” que o filho talvez não tenha problema
algum, ele nega tudo, se ilude. Muitas páginas são dedicadas a suas memórias
anteriores ao casamento, como quando foi para a Europa com uma mão na frente e
outra atrás. O autor dedica grande parte do tempo falando de sua experiência de
imigrante em países de primeiro mundo. Com o passar do tempo a sua vida começa
a tomar um rumo em direção a uma maior responsabilização e, aos poucos seu
processo de maturação e aceitação emerge, principalmente quando a diretora da
escola do Felipe diz que ele precisará se mudar para uma escola específica para
crianças como ele. O pai fica transtornado. Nesse meio tempo a esposa engravida
novamente e surge o pânico de que o novo filho também tenha a síndrome do
irmão. E, finalmente, vem a aceitação e o desejo do pai de se aproximar do
filho, de ensinar-lhe alguma coisa. Como ele é professor e escritor, tenta se
aproximar de Felipe pelas letras, porém é do futebol que o filho tanto gosta.
É importante mostrar a
importância do futebol como via de acesso ao filho. Nesse caso, Felipe mostra
sua personalidade, exemplificada pela dificuldade em lidar com a frustação, e
sua socialização através do esporte, via pelo qual o pai também se socializa. É
interessante pensarmos no futebol como via de acesso ao mundo da escrita e
leitura, pois, através dele, Felipe é capaz de distinguir a maioria dos times
pelo nome, que depois ele digitará no computador para baixar os hinos de cada
clube, e cantá-los para cada visita nova. E assim, a trama se encerra
demonstrando que o tempo e a convivência foram, nesse caso, necessários para o
amadurecimento pessoal, e, determinantes para a aceitação e crescimento do pai.
Por fim, depois da
breve análise do livro, apresento o filme Os
Colegas para compor a discussão sobre o tema da Síndrome de Down. Trata-se
de um breve resumo do filme, como um equilíbrio para a “crueza” do livro Filho Eterno. O filme representa o lado
romântico e genuíno de jovens portadores dessa deficiência. Em breve resumo, é
uma divertida comédia que aborda de forma inocente e poética coisas simples da
vida através do olhar de três jovens com síndrome de Down apaixonados por
cinema. Um dia, inspirados pelo filme Thelma & Louise, eles resolvem fugir
no Karmann-Ghia do jardineiro em busca de seus sonhos: Stalone quer ver o mar,
Marcio quer voar e Aninha busca um marido para se casar. Eles partem do
interior de São Paulo rumo a Buenos Aires. Nessa viagem, enquanto experimentam
o sabor da liberdade, envolvem-se em inúmeras aventuras e confusões como se a
vida não passasse de uma eterna brincadeira. O filme ganhou o Kikito de melhor
filme, e demonstra que, assim como o livro Filho Eterno, o tema da inclusão
está ganhando cada vez mais espaço. O diretor Marcelo Galvão recebeu o prêmio,
junto aos três atores Ariel Goldenberg, Rita Pook e Breno Viola (conforme a
foto abaixo). Vale ressaltar que O Kikito é o prêmio de cinema mais importante
do país.
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